Justiça derruba decisão que obrigava MEC a implementar valor de gasto por aluno

Com informações do G1 ( Foto: Reprodução)

A Justiça Federal derrubou uma decisão de primeira instância que obrigava o Ministério da Educação (MEC) a homologar a resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) que define valores de implantação do Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi). O prazo da decisão, proferida em agosto, terminaria na próxima semana.

A ação foi proposta pela Federação dos Municípios do Estado do Maranhão (Famem).

O CAQi é o índice que dever prever o valor mínimo a ser gasto por aluno para garantir um ensino público de qualidade. Sua implementação já foi aprovada em 2014 como um dos objetivos do Plano Nacional de Educação (PNE), e deveria ter entrado em vigor em 2016.

A decisão foi do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. “Em agravo de instrumento apresentado pela AGU, o desembargador federal Novelly Reis (TRF1) deu provimento ao recurso, anulando a decisão e determinando a extinção do processo da Justiça Federal no Maranhão sem resolução do mérito”, afirmou ao G1 a assessoria de imprensa da Advocacia-Geral da União (AGU).

Entre os argumentos que basearam a decisão, o desembargador Novély Vilanova citou o fato de que a Famem “não tem legitimidade para postular direitos de entes políticos”, e afirmou que “a questão é extremamente complexa para ser resolvida em tutela provisória”.

Definição do CAQi

O CAQi prevê dois valores que devem servir como mecanismos de definição do investimento necessário na educação, de acordo com cada aluno e etapa de ensino. O primeiro é o CAQi, que representa o gasto mais baixo possível com todas as despesas necessárias para atingir um mínimo padrão de qualidade na educação. O segundo é o Custo Aluno-Qualidade (CAQ), que representa o padrão de qualidade educacional semelhante ao de países desenvolvidos.

O prazo para a implementação do CAQi terminou no fim de junho de 2016, dois anos após a aprovação do PNE. Já o CAQ teria que entrar em vigor em meados de 2018.

Os parâmetros foram desenvolvidos pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), que considera o CAQ um “instrumento imprescindível para a garantia da aprendizagem do alunos e de condições adequadas de trabalho para as educadoras e para os educadores”.

Em 2010, o Conselho Nacional de Educação (CNE) normatizou o CAQi segundo os parâmetros da CNDE, “como referência para a construção de matriz de padrões mínimos de qualidade para a Educação Básica pública no Brasil”.

Esse parecer, porém, segue sem validade oficial, porque o MEC jamais homologou o documento. Em 2014, quando o PNE adotou o CAQi, o ministério recebeu o prazo de dois anos para discutir e implementar o instrumento, com os parâmetros do parecer ou de acordo com seus próprios estudos.

A comissão que discutiria o tema só foi criada em março de 2016, ainda na gestão de Aloizio Mercadante. Em outubro de 2016, o G1 mostrou que a comissão nunca tinha se reunido.

Questionado de novo em setembro deste ano, o MEC não respondeu se a comissão chegou a se reunir. A pasta disse, em nota, que “deu andamento aos trabalhos [da comissão] e recompôs a Instância Permanente de Negociação e Cooperação Federativa entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios”, órgão criado em 2015, na gestão de Renato Janine Ribeiro. O ministério acrescentou que essa instância tem, entre suas atribuições, “se manifestar a respeito dos trabalhos e estudos técnicos desenvolvidos pelo MEC”, o que inclui o Custo Aluno-Qualidade.

A decisão judicial, de 17 de agosto, deu ao MEC 60 dias para homologar o parecer de 2010 e adotar esses parâmetros para o financiamento da educação básica. Segundo o documento, os parâmetros valeriam até que a comissão concluísse seu trabalho.

AGU defende atrelar valor por aluno a desempenho

Na decisão que anulou o processo, publicado em 6 de outubro, o desembargador Novély Vilanova citou o argumento de defesa apresentado pelo governo federal para justificar a complexidade da questão. Na defesa da AGU, a União alega que implementar o parecer “não somente não atenderia satisfatoriamente como ainda introduziria problemas de difícil solução, e mesmo previsão, para a política pública educacional”.

Entre esses possíveis problemas, a AGU citou “a inexistência de associação entre o CAQi proposto e o desempenho dos alunos; e o conflito normativo com outros padrões de qualidade utilizados, particularmente aqueles do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)”.

Procurado pelo G1, o Ministério da Educação afirmou que promover a qualidade e a equidade na educação não está relacionado ao desempenho dos alunos.

Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, considera o parecer da AGU “equivocado”, e diz que “ter uma escola com professores condignamente remunerados, com política de carreira, formação continuada, número adequado de alunos por turma, biblioteca, laboratórios de ciências e informática, quadra poliesportiva coberta e Internet banda larga é direito dos alunos e condição necessária para a qualidade da educação”.

Além disso, segundo ele, “o direito não deve estar submetido a critérios de mérito, sob pena das escolas dos mais pobres serem sempre precárias e a dos mais ricos, sempre melhores”.

Em setembro, o MEC afirmou, ao ser questionado sobre o atraso na implementação do CAQi, que “o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) é condição essencial para que se possa discutir a regulamentação do custo aluno qualidade”, e que “o MEC está acompanhando no Congresso a discussão da prorrogação da emenda constitucional que estabelece o Fundeb. Depois da votação, o MEC vai regulamentar o Custo Aluno Qualidade (CAQ)”.

O MEC disse ainda que “não se trata de ser contra ou a favor de regulamentar o CAQi antes de 2020. Trata-se ainda de definição, tanto do ponto de vista de critérios, quanto do impacto financeiro orçamentário, os quais estão em estudo”.

Fundeb para financiar o Custo Aluno-Qualidade

Tanto o MEC quanto especialistas concordam que o Fundeb é o melhor caminho para que o Brasil finalmente implemente o Custo Aluno Qualidade (CAQ), índice que prevê um valor mínimo a ser gasto por aluno para garantir um ensino público de qualidade.

Porém, uma “brecha” na emenda constitucional que fixou um teto de gastos do governo federal pelos próximos 20 anos já garante que o Fundeb, em seu funcionamento atual, pode receber mais dinheiro para a educação básica. É o que aponta um estudo finalizado em setembro pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados. Isso porque o texto, que foi aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Michel Temer em 2016, lista três categorias de despesas excluídas do teto de gastos, e uma delas é justamente o aporte que a própria União é obrigada a fazer ao Fundeb.

Criado em 2006, o Fundeb, na forma em que existe hoje, tem duração até 2020 e tem seu montante formado pelos aportes dos governos municipais e estaduais, mas também pelo governo federal. Por lei, os estados e municípios precisam destinar ao fundo 20% da receita que recebem de uma série de impostos.

Já a parte da União, segundo o texto estabelecido pela Constituição Federal, é dividida em duas partes: a primeira delas é uma complementação de recursos sempre que a arrecadação de impostos de um dos governos estaduais ou municipais fica abaixo do valor mínimo por aluno definido todos os anos.

A segunda obrigação do governo federal é destinar ao Fundeb no mínimo 10% da receita em impostos. Apesar de a complementação da União equivaler a metade da complementação dos governos regionais e locais, o texto afirma que o aporte federal deve atingir “no mínimo” esse patamar. Isso quer dizer que, na prática, não existe um valor máximo que o governo federal pode investir na educação básica, mesmo com os limites impostos pelo novo regime fiscal.

Disputa pelo novo Fundeb

Procurado, o Ministério da Educação afirmou, por meio de nota, que “está acompanhando no Congresso a discussão da prorrogação da emenda constitucional que estabelece o Fundeb”.

G1 questionou se a pasta pretende usar a exceção criada na emenda para aumentar os gastos na educação básica, mas o ministério não respondeu. Em agosto, após a aprovação da emenda, o governo federal vetou a inclusão das metas do Plano Nacional de Educação (PNE)entre as prioridades no orçamento de 2018.

Cláudio Tanno, consultor da Câmara e um dos autores do estudo, defende que, além de usar os recursos do Fundeb na implementação do CAQ, o novo modelo do fundo corrija distorções que podem melhorar a eficácia dos gastos, fazendo com que haja mais igualdade entre os recursos que cada estado recebe.

De acordo com o estudo, o modelo de complementação atual ajuda a manter um nível mínimo de recursos por aluno para o Brasil todo, mas uma de suas falhas é considerar somente os recursos do Fundeb no cálculo de quanto cada estado deve receber de complementação, excluindo da conta recursos extras que algumas redes recebem, além de equalizar os valores por estado, e não por município.

Como exemplo, o estudo considerou os gastos da União no Fundeb de 2015, que somaram R$ 11,9 bilhões, e fez uma simulação de quanto o mesmo montante renderia por aluno caso outras variáveis fossem consideradas. O documento estima que 31% dos recursos do governo federal (ou seja, R$ 3,7 bilhões) poderiam ter sido distribuídos de forma mais equitativa, o que elevaria o valor por aluno naquele ano de R$ 2.620 para R$ 3.761. “É uma parcial equalização se levarmos em consideração o resultado final de recursos disponibilizados para cada rede de ensino”, explicou ele.