‘Foi um grande plano de fraude fiscal’, diz procurador em julgamento

    O procurador Júlio Marcelo de Oliveira, representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), chamou as “pedaladas fiscais” e outras ações do governo Dilma Rousseff (PT) de um “grande plano de fraude fiscal”. Ele é ouvido nesta quinta-feira (25) na condição de informante da acusação no julgamento do impeachment da presidente afastada.

    Oliveira foi convocado como testemunha de acusação, mas, por ter participado de ato pela rejeição das contas de Dilma, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, decidiu que ele deveria falar como informante. O depoimento de Oliveira terminou por volta das 21h30, após mais de seis horas de questionamentos.

    Isso significa que seu depoimento perde força do ponto de vista jurídico e não poderá ser usado como prova. Como informante, o procurador não tem o dever de dizer a verdade, como acontece com as testemunhas.

    Dilma é acusada de crimes de responsabilidade ao editar três decretos de crédito suplementar sem a autorização do Congresso Nacional e ao atrasar pagamentos, da União para o Banco do Brasil, de subsídios concedidos a produtores rurais por meio do Plano Safra – as chamadas “pedaladas fiscais”.

    A defesa de Dilma sustenta que a edição dos decretos foi um remanejamento de recursos, sem impactos na meta fiscal, e que não houve má-fé da presidente na edição dos decretos. Sobre as “pedaladas”, afirma que não são empréstimos, mas prestações de serviços – e que Dilma não teve participação direta nos atos.

    Prejuízos
    Segundo o procurador, o governo iniciou em 2013 um processo de maquiagem nas contas públicas “que trouxe um grande benefício para o Poder Executivo, porque trouxe a imagem de um poder provedor, mesmo quando a receita do país já estava se reduzindo”. “Foi um grande plano de fraude fiscal, que contou com a omissão do registro das dívidas, a fraude nos decretos de contigenciamento e a utilização dos bancos públicos como fonte de financiamento, algo proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirmou Oliveira.

    Júlio de Oliveira disse que o desequilíbrio fiscal durante o governo Dilma levou o Brasil a perder o grau de investimento, que é dado por agências de classificação de risco. A situação, segundo ele, também levou à “explosão” da dívida pública em 2014.

    Com isso, os agentes econômicos pararam de investir, preferiram investir em dólar ou títulos do governo, incentivando o desinvestimento e levando o Brasil a uma recessão com inflação.

    Meta fiscal
    O senador Lindberg Farias (PT-RJ) citou a aprovação da meta fiscal do presidente em exercício, Michel Temer (PMDB), que prevê um déficit de R$ 170 bilhões e disse que seria uma forma de tentar escapar de uma acusação futura no TCU. O procurador respondeu que, no caso de Temer, e déficit foi autorizado pelo Congresso.

    “Não é o TCU que tem essa responsabilidade […] Não é ele que define a meta. O senhor diz que o novo presidente estabeleceu uma meta… Não foi ele quem estabeleceu, foi o Congresso Nacional”, afirmou Oliveira.

    Créditos suplementares
    O senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) perguntou ao procurador se, para ele, a edição de decretos de crédito suplementar configura um crime de responsabilidade fiscal. Em resposta, Oliveira afirmou que Dilma precisava de autorização do Congresso para editar os decretos.

    “Uma vez que não havia autorização legislativa […], incidiu ela em violação ao artigo 1.675 da Constituição e, portanto, um atentado contra as leis orçamentárias. Na minha opinião, sim, está configurado o crime de responsabilidade fiscal”, afirmou o procurador.

    A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) argumentou que Lula e Fernando Henrique Cardoso, quando eram presidentes, fizeram os mesmos decretos que Dilma. Ela afirmou que Oliveira “tem lado, tem militância” e é um dos “mentores intelectuais” do impeachment. Lewandowski, então, chamou atenção para pronciamentos políticos e disse que só aceitaria perguntas objetivas ao informante.

    O procurador disse que, na época de FHC, era possível emitir decretos de crédito suplementar por medida provisória. Isso mudou depois. Oliveira disse desconhecer que Lula tenha aberto decretos de créditos suplementares de maneira irregular.

    A senadora Regina Sousa (PT-PI) perguntou por que decretos semelhantes assinados por Temer, quando ele assumia a Presidência na ausência de Dilma, não foram considerados ilegais. O procurador disse entender que a “assinatura de decretos na interinidade da Presidência […] não pode ser fonte de imputação de responsabilidade, porque a equipe que prepara tudo é toda comandada pela titular do cargo”.

    Pedaladas fiscais
    A denúncia do processo de impeachment contra Dilma diz que a presidente praticou em 2015 as chamadas “pedaladas fiscais”, que são operações de crédito ilegais com bancos públicos. O governo teria atrasado de propósito o repasse de verbas do Tesouro Nacional às instituições, que tiveram que pagar benefícios sociais, como subsídios agrícolas, com recursos próprios.

    O senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) perguntou ao procurador se as “pedaladas” poderiam ser classificadas, como diz a defesa, como prestação de serviço – e não operações de crédito entre a União e os bancos. Para o procurador, não (veja no vídeo abaixo).

    “Não é prestação de serviço da Caixa assumir um pagamento em nome da União. Não é prestação de serviço do BNDES assumir o ônus da equalização [dos juros] e continuar emprestando para os agricultores”, respondeu.

    O senador Lasier Martins (PDT-RS) questionou o informante sobre possíveis alertas em relação aos atos cometidos pelo governo desde 2013. “Nós só tivemos notícia da reação técnica do Tesouro aos procedimentos neste ano. Neste ano tivemos acesso às notas técnicas”, respondeu Oliveira. Segundo ele, se soubesse antes, o TCU teria agido antes.

    O procurador também falou sobre o possível dolo de Dilma no caso das pedaladas fiscais. “Desde que fizemos a representação [em relação às contas públicas], em agosto de 2014, e toda a discussão nos meios de comunicação, impossível imaginar que a presidente não tivesse conhecimento dos atos graves que ocorriam.”

     

    Foto: Reprodução