Poluição e falta de chuva ameaçam o Rio Joanes

    Com informações do A Tarde ( Foto: Reprodução)

    A dona de casa Ananice Santos, 61, se lembra da vez que ficou oito dias sem água na torneira. “Já teve outras vezes, mas essa foi a pior. Se não fosse uma fonte que a gente tem em casa, ficaria difícil”, contou. Os vizinhos e até moradores de outras ruas do Alto do Cabrito, onde ela mora, em Salvador, recorrem a Ananice e a uma bica que tem na região toda vez que falta água.

    “É difícil. Todo mundo carregando balde e tendo que escolher onde vai usar porque não dá para tudo”, lamentou. A situação vivenciada por dona Ananice ilustra o que muitos moradores da capital baiana poderiam ter enfrentado este ano, caso o risco de um racionamento de água, alertado nos últimos meses, se concretizasse.

    O risco, no entanto, não é uma realidade exclusiva de Salvador. A Bahia tem enfrentado, nos últimos anos, a ameaça de uma crise hídrica, como ocorreu em São Paulo. Em Vitória da Conquista, o racionamento durou de maio de 2012 a julho de 2017. Caetité também enfrentou longo período, de 2011 a 2016.

    Na capital baiana, no entanto, não há mais risco em 2017, segundo a Embasa. Mas, para o ano que vem, tudo depende da quantidade de chuvas para abastecer os reservatórios. Enquanto as precipitações estão relacionadas a fatores climáticos, especialistas defendem que outro problema depende da ação humana: a preservação dos mananciais.

    A cerca de 60 quilômetros de onde mora Ananice está a nascente de um rio que é considerado estratégico e importante para Salvador e região metropolitana (RMS) e que ajuda a fornecer a água que cai na torneira dela e de muitos soteropolitanos: o rio Joanes.

    Rio Joanes

    Tem 75 quilômetros de extensão e é responsável por cerca de 40% o abastecimento de Salvador, Simões Filho e Lauro de Freitas

    Com 75 quilômetros de extensão, ele é responsável por quase metade (cerca de 40%) do abastecimento de Salvador, Simões Filho e Lauro de Freitas. Mas é na cidade de São Francisco do Conde, na RMS, que ele, o principal da bacia hidrográfica que leva seu nome, brota.

    Apesar de sua relevância, o Joanes, assim como outros rios que são de gestão do estado, é alvo de poluição, recebe dejetos domésticos, industriais e hospitalares, além de sofrer o impacto da ocupação desordenada nas suas margens ou em áreas próximas.

    No trajeto de seu curso d’água estão, além de São Francisco do Conde, outros seis municípios: Camaçari, Simões Filho, Lauro de Freitas, São Francisco do Conde, Candeias, São Sebastião do Passé e Dias D’Ávila.

    Desafios

    Os problemas vão da foz, onde a poluição é mais visível, até a nascente, cuja localização desafia gestores públicos municipais e estaduais.

    O secretário de Meio Ambiente de São Francisco do Conde, Renato Costa Rosa, disse que a nascente estava numa fazenda chamada Gurgainha e que a prefeitura realiza monitoramento dela a cada seis meses. “A participação do nosso município é modesta, apesar da importância por ser a nascente. O rio representa muito mais para Salvador”, ressaltou.

    Questionado sobre a localização, Rosa afirmou que o acesso é negociado. “É uma área particular. Sempre negociamos o acesso com o proprietário. Em alguns momentos temos facilidade e em outros, dificuldade”. Na presença da reportagem, o secretário ligou para um representante da Gurgainha e foi informado de que não era lá e que a nascente estaria em outra fazenda próxima, a Valadares.

    Foi neste momento que um servidor da prefeitura, o gerente de fiscalização Francisco Assiz, informou que havia um imbróglio sobre a localização. “Teve resistência desde 2009. Eles dizem que não é a nascente. É um poço d’água. O comitê de bacia atesta que fica lá. Só que, como o dono vai ter algumas restrições na sua área, ele judicializou e está advogando que não é”, afirmou Assiz.

    A falta de localização exata dificulta as ações de preservação. A fazenda Gurgainha pertence, segundo funcionários, ao proprietário do Hospital Aliança, Paulo Sérgio Tourinho. O administrador do local, João Carlos, disse que lá há apenas uma cisterna e negou que haja um processo para provar que a nascente não está lá. “O povo pensa que é aqui porque a gente cuida muito bem da fazenda, plantamos mudas”. Na fazenda Valadares, o administrador Fábio de Andrade também afirmou desconhecer a localização: “Já ouvi dizer que passa aqui, mas não sei se nasce aqui mesmo”.

    Proteção

    As duas fazendas estão localizadas na Área de Proteção Ambiental (APA) Joanes-Ipitanga, criada em 1999, por meio de um decreto estadual com o objetivo de proteger os mananciais destes dois rios. Dezoito anos depois a preservação da nascente ainda desafia a gestão pública.

    O gestor da APA, Geneci Bras, contou que a localização é de fato desconhecida. Ele, que é técnico do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), afirmou que está sendo feito um levantamento de vários pontos na região que fazem parte da zona de influência da nascente. Esta área, segundo ele, fica na região das duas fazendas.

    “A nascente é uma área de preservação permanente onde o proprietário tem obrigação de preservar. Não conseguimos identificar de fato onde ela está, mas sabemos que a área está antropizada em função da atividade agropecuária com muitas pastagens”, disse.

    Segundo Bras, um grupo de técnicos irá nesta semana para o local para dar continuidade ao levantamento dos pontos de influência da nascente. As ações de preservação, segundo ele, só poderão ser realizadas após este levantamento.

    Conselheiro da ONG Rios Vivos, que estimula a preservação ambiental, o pesquisador Coriolano Oliveira critica a falta de ações efetivas de recuperação. “Nas mudanças de governo, os interesses ambientais variam conforme a sensibilidade do gestor. Faltam políticas públicas. Há legislação para tudo, mas falta comprometimento. Enchem secretarias para ajudar partidos que apoiaram na campanha e não se viabiliza recursos para implantar essas políticas”, afirmou.

    Para o conselheiro fundador da ONG Rio Limpo, instância criada em 2009, em Lauro de Freitas, por causa da degradação do Joanes, o advogado Caio Marques, há negligência por parte dos proprietários rurais. Para ele, ter a nascente numa área de fazenda poderia ser capitalizado pelos empresários. “A iniciativa privada olha para o rio de forma antiquada. Pensa ser um prejuízo porque tem que ter 30 metros de cada lado da nascente preservado e querem que seja pasto. Nós não temos a cultura preservacionista”, disse.