Deputados querem cortar benefícios de juízes e procuradores

Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia 11/03/2020 REUTERS/Adriano Machado
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Os parlamentares precisam reunir 171 assinaturas para cada uma das sugestões de alteração, para que seus pedidos sejam analisados pelo relator da proposta que muda a forma como servidores são contratados, promovidos e demitidos

BRASÍLIA – O chamado alto escalão do funcionalismo público está na mira de deputados dispostos a ampliar o alcance da reforma administrativa, que prevê alterações na forma como os servidores públicos são contratados, promovidos e demitidos.Mudanças como limitar as férias de todos os agentes públicos a 30 dias por ano, inclusive para juízes, além do fim de privilégios, como aposentadoria compulsória como punição para quem já está trabalhando, estão entre as emendas (sugestões de alterações do texto) que devem ser incluídas na tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Entregue depois de muita espera, o texto do governo foi considerado tímido por alguns parlamentares. Um dos motivos é que juízes, promotores, procuradores e desembargadores ficaram de fora do texto. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a apresentação dessas emendas abre caminho para incluir o Judiciário e o Ministério Público ao debate, mas que isso não tem que ser imposto. “Todos os Poderes estão com distorção e precisam se modernizar e é preciso construir um caminho”, afirmou ao Estadão/Broadcast.Como os novos membros dos Poderes não serão atingidos, eles manterão benefícios que devem ser extintos para os futuros servidores, como as férias superiores a 30 dias, licença-prêmio (direito a três meses de licença para tratar de assuntos de interesse pessoal a cada cinco anos) e adicionais por tempo de serviço. Isso significa, por exemplo, que um juiz não poderá ser atingido, mas o servidor da área administrativa de um tribunal terá de obedecer às novas regras.Já os parlamentares ficaram de fora da reforma administrativa porque são cargos políticos eletivos, com duração fixa (oito ano para senadores e quatro anos para deputados federais e estaduais e vereadores).

“Entendemos ser razoável e oportuno incluir todos os agentes públicos nas vedações propostas. Certo de que é desejo da sociedade que a reforma alcance todos os Poderes”, disse o líder do Podemos na Câmara, Léo Moraes (RO). As emendas sugeridas pelo partido limitam os benefícios às carreiras de Estado (que devem ser definidas em um segundo momento, mas incluem, por exemplo auditores fiscais e membros do Ministério Público, por exemplo).

O Novo vai apresentar cinco emendas para “preencher as lacunas deixadas no texto”. Além da inclusão de membros do Judiciário e do Ministério Público, o partido quer que os servidores que já estão na ativa também passem a cumprir as novas regras, mantendo os “direitos adquiridos”. Também quer estipular o teto (hoje em R$ 39,2 mil) como o limite das remunerações, incluindo verbas indenizatórias e seleção para cargos de confiança e proibição da venda de férias.

“Sou a favor tanto de ampliar para outras categorias como também para os atuais servidores. Principalmente, na parte das vedações: não tem por que os atuais e demais Poderes ficarem de fora”, disse o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), coordenador da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa. Segundo ele, as emendas devem ser incorporadas ao texto pela pressão da sociedade à “blindagem” dessas categorias.

O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) também quer a inclusão de magistrados na reforma administrativa e o fim de privilégios para essas categorias.

Da base do governo, a deputada Caroline de Toni (PSL-SC) vai na mesma linha, para inclusão de políticos, juízes e membros do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público na reforma. Em sua justificativa, a parlamentar afirma que essas categorias não podem passar ao largo das novas regras. “Não há elemento razoável para se supor que as categorias listadas estejam liberadas de dar sua cota de sacrifício para que a máquina administrativa seja mais eficiente e menos onerosa para o cidadão”, disse.

Os deputados precisam ainda reunir 171 assinaturas para cada uma das emendas, para que os pedidos possam ser analisadas pelo relator da PEC. Todos estão em fase inicial de busca desse apoio.

A bancada do Cidadania está preparando um pacote de emendas. O principal ponto é fazer com que as regras que irão valer para servidores em geral alcancem magistrados e membros do Ministério Público. “Precisamos acabar com as distorções no serviço público brasileiro. Nesse sentido, apresentaremos emenda estendendo as mesmas regras, previstas no texto original da reforma, para juízes e procuradores. Todos estes agentes servem ao povo e, como tais, precisam se adaptar ao texto constitucional que estamos apreciando”, disse o líder da bancada na Câmara, Arnaldo Jardim (SP).

Governo diz que não poderia incluir membros de outros Poderes
A equipe econômica tem se defendido de não ter incluído membros de outros Poderes na reforma sob o argumento de que a Constituição não permite ao Poder Executivo propor uma nova regra para membros de outros Poderes, como é o caso de juízes, magistrados, parlamentares e procuradores. A inclusão dessas categorias ficaria a cargo do próprio Congresso Nacional durante a tramitação do texto.

O advogado Maurício Zockun, sócio do Zockun & Fleury Advogados e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA), rechaça o argumento do governo. “É equivocada essa ideia de que uma Proposta de Emenda à Constituição que pretenda mudar o regime funcional de magistrados, membros do Ministério Público deveria partir desses poderes. Isso não é verdade. A história demonstra o contrário”, afirma.

Zockun lembra que a reforma do Judiciário promulgada em 2004 foi feita a partir de uma PEC apresentada pelo então deputado Hélio Bicudo – o texto teve apensadas outras propostas, incluindo uma do próprio Executivo para ampliar atribuições da Justiça Federal. Em 2005, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e declarou a inexistência de qualquer “vício formal” na proposta apresentada por outros Poderes que não o Judiciário.