Vendas em queda indicam que auxílio-gás não vai para compra de botijões, diz setor

A concessão de um auxílio para compra de botijões de gás de cozinha por famílias de baixa renda não vem tendo impactos nas vendas do produto, o que indica que o dinheiro está sendo usado para outras necessidades básicas, diz o setor.

Segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), as vendas de botijão registram queda de 5,6% nos primeiros quatro meses de 2022, em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Entre janeiro março, o volume de gás de cozinha vendido em botijões de 13 quilos no país é o menor pelo menos desde 2017, também de acordo com estatísticas da ANP.

Após um pico de vendas no período inicial da pandemia, quando as medidas de isolamento levaram os brasileiros a cozinhar mais em casa, o setor vem amargando queda desde meados de 2021, reflexo da combinação entre preço em alta e perda de poder aquisitivo da população.

Em dezembro, o governo começou a pagar a famílias de baixa renda um auxílio de R$ 52 por mês, equivalente a metade do preço médio do botijão naquela época. Em abril, o benefício atingiu 5,4 milhões de pessoas integrantes do Cadastro Único de programas sociais, a um custo de R$ 275 milhões.

O setor questiona, porém, a falta de regras para a destinação dos recursos, que são depositados em conta bancária ou por meio de poupança social. A queda persistente nas vendas, dizem executivos, indica que há desvio de finalidade do programa.

“O Auxílio-Gás é um excelente programa, mas sem destinação específica não combate a pobreza energética e propicia desvio de finalidade”, diz Sergio Bandeira de Mello, presidente do Sindigás (Sindicato das Empresas Distribuidoras de GLP).

“O programa é interessante, mas precisa ser reformulado”, concorda José Luiz Rocha, presidente da Abragás, entidade que reúne as revendedoras de botijões. “O recurso tem que ser carimbado para compra de gás. No modelo atual, esse dinheiro vai acabar sendo gasto em outra coisa.”

O auxílio-gás passou a receber forte apoio do setor e de organizações sociais durante a crise econômica gerada pela pandemia do novo coronavírus.

Com o aumento do desemprego, principalmente entre trabalhadores informais, as famílias mais pobres passaram a buscar alternativas para cozinhar, como lenha e até álcool, o que levou a um crescimento dos atendimentos por queimaduras em hospitais.

A situação piorou a partir de meados de 2021, com a recuperação das cotações internacionais do petróleo se refletindo nos preços de venda do produto pela Petrobras e, consequentemente, pelas revendas de botijões.

Fundamental nas residências brasileiras, o produto não costumava sofrer tanto impacto da variação de preços. Em, 2021, porém, as vendas caíram 4,2%, o que levou o governo a anunciar o programa de auxílio no fim do ano.

Estudo divulgado em abril pela consultoria Kantar conclui que o gasto com botijão de gás compromete 22% do orçamento destinado a serviços públicos das famílias mais pobres no Brasil, o que inclui energia elétrica, água, esgoto, telefone e impostos. Para os mais ricos, a parcela é de 13%.

Outro levantamento, divulgado também em abril pelo Observatório Social da Petrobras, mostra que o preço do botijão equivale hoje a 9,4% do salário mínimo, o maior percentual desde 2007. Naquele mês, o preço médio do botijão bateu recorde histórico no país.

A alta do preço passou a impactar até a distribuição solidária de quentinhas para pessoas em situação de rua em diversas cidades brasileiras.

Rocha diz que a queda nas vendas e as margens apertadas estão levando revendedores a desistir do negócio. “Na medida em que não conseguem repassar preço, muitos empresários fecham as portas. Ou repassa para sobreviver ou fecha.”

O setor sugere que o governo inclua algum dispositivo que vincule o uso dos recursos à compra de botijões.”Programa de renda é excelente, mas pobreza energética combate-se substituindo uma fonte por outra”, afirma Bandeira de Mello.

Em 2017, já sob efeito da recessão iniciada em 2014, carvão e lenha voltaram a suplantar o gás de cozinha na matriz energética residencial brasileira, de acordo com dados da EPE (Empresa de Planejamento Energético).

A situação perdurou ao menos até 2020, quando os últimos dados foram divulgados. Com a crise da pandemia, o setor estima que o cenário piorou após esse período.

Responsável pela distribuição dos recursos, o Ministério da Cidadania não comentou a questão. Em nota enviada à Folha, apenas elencou as regras do programa e indicou links para páginas de informações sobre os valores pagos e dúvidas sobre enquadramento.

 

Nicola Pamplona / Folha de São Paulo