Famosa pelo comércio, Baixa dos Sapateiros também foi berço cultural para Salvador

    Reprodução: Metro1

    Se para os baianos, Baixa dos Sapateiros é sinônimo de comércio bom e barato, para o mundo a avenida também é símbolo de cultura. “Na Baixa do Sapateiro eu encontrei um dia, a morena mais frajola da Bahia”. Foram esses versos que tornaram ‘a terra da felicidade’ conhecida no Brasil e no mundo. Além de cantar a Bahia, o samba imortalizado por Carmem Miranda e composto por Ary Barroso, que o fez antes mesmo de conhecer o lugar que virou personagem da sua música, tornou famosa uma das vias mais antigas de Salvador.

    A presença na música chama atenção para um aspecto talvez esquecido da Baixa dos Sapateiros, que foi, também, berço cultural. “Salvador durante muito tempo era conhecida no mundo por uma via: a Baixa dos Sapateiros. Estar na música mostra muito a relevância desse lugar para cidade, do ponto de vista da sociabilidade, das relações comerciais, entre tantas outras facetas importantes”, avalia o historiador Rafael Dantas.

    Quem morou no lugar lembra com carinho de como tudo acontecia. “Tinha um carnaval bom, a rainha do Carnaval passava em minha porta. Era uma festa”, conta a aposentada Esmeralda Araujo, de 87 anos, que teve na Baixa dos Sapateiros o seu primeiro endereço em Salvador. “O carnaval de lá era forte, patrocinado pelos próprios comerciantes, que conseguiam muitas vezes fazer uma festa maior do que o Carnaval da elite, que passava alí pela Rua Chile”, lembra o jornalista Nelson Cadena.

    A folia que lotava a avenida em fevereiro não era, no entanto, a única expressão cultural que passava pela Baixa. No início do século XX, dizem os historiadores, o lugar era um dos principais palcos da cidade para apresentações importantes. Um dos marcos foi o famoso Cinema Jandaia. “O Jandaia chegou a receber companhias de fora, de dança, de música que vinham de fora para se apresentar. Era uma casa de alta categoria. Um teatro e cinema de luxo. Quando vinham turnês estrangeiras para cá era no Jandaia que se apresentavam”, comenta Candena.

    Durante anos, o cinema Jandaia foi o principal cinema de rua do estado, que além de filmes exibia apresentações ao vivo. Segundo os historiadores, o lugar começou a perder prestígio na década de 80, com o surgimento dos cinemas de shopping. Mesmo assim, seguiu exibindo filmes até os anos 90, quando fechou as portas depois de um período com filmes pornográficos e de artes marciais em cartaz. Em 2015, o prédio do Cinema Jandaia foi tombado pelo governo da Bahia.

    “Era sempre muito cheio, muita gente ia. Durante muito tempo os cinemas também serviram para atrair as pessoas e movimentar as vendas”, lembra o comerciante Ivo Fucs, que teve uma loja de artigos para bebês na Baixa dos Sapateiros até o ano passado. Além do Jandaia, a Baixa dos Sapateiros teve ainda o Cinema Pax e o Tupy, também responsáveis por movimentar a cidade.

    Agora, o aspecto cultural fica só na memória de quem viu os cinemas lotados, mas ajuda a perceber que a importância da Baixa dos Sapateiros vai além do aspecto comercial. A rua foi, afinal, uma das responsáveis por tornar a Bahia viva na memória do mundo. Como diz a música que leva seu nome, uma Bahia inesquecível, e que ‘não sai do pensamento’.