Acervo histórico: 133 peças do Museu Wanderley Pinho serão restauradas

    Reprodução: Jornal Correio*

    O móvel de vinhático incrustado com madrepérola e a camisola bordada com fios de prata revelam a vida luxuosa das famílias donas do Engenho Freguesia, no distrito de Caboto, em Candeias. Os instrumentos de castigo, como o tronco, também escancaram a crueldade da escravidão. Estas são algumas das cerca de 200 peças do acervo do Museu do Recôncavo Wanderley Pinho, que está passando por reformas e deve reabrir em julho na propriedade. Como parte desse processo de intervenção no local, foi aberta uma licitação para a execução de serviços de restauração de 133 dos bens móveis do espaço.

    Depois de restaurados, os objetos vão integrar a exposição de longa duração do museu e oferecer ao visitante uma espécie de viagem no tempo ao adentrar as salas redecoradas com os itens que realmente eram usados pelos moradores do engenho. Ao fazer o panorama da vida no local, a exposição vai trazer um retrato da sociedade da época e demonstrar o poder que era detido pelos senhores de engenho.

    “As peças foram compradas quando, em 1968, o governo da Bahia adquiriu o Engenho Freguesia. Por isso, sabemos que os objetos pertenciam aos senhores. As peças trazem um contexto histórico capaz de dar a dimensão do funcionamento do engenho e do que era a propriedade, com base no tipo de item que eram usados. Com as imagens dos santos, por exemplo, podemos saber quem era cultuado. Mais do que o valor artístico, o acervo tem importância histórica”, afirma a diretora de museus do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (Ipac), Fátima dos Santos.

    O fato de os objetos realmente pertencerem àquele espaço dá autenticidade e veracidade à coleção do museu. Para o historiador e arquiteto Francisco Senna, a possibilidade de recompor o ambiente sem recorrer a elementos externos permite que seja demonstrado de forma mais fiel como era o imóvel no passado e a vida no Recôncavo baiano no ciclo da cana-de-açúcar.

    Datados do século XVII ao século XX, os objetos acompanharam a história da Bahia, com o auge e a decadência do ciclo do açúcar. O acervo é composto pela coleção de mobiliário, com móveis de madeiras nobres, como as marquesas e a mesa de jantar com cadeiras; o conjunto de imaginária cristã, com imagens de santos como São Jerônimo e Nossa Senhora da Conceição; a coleção de pintura, onde encontra-se os retratos do Barão de Cotegipe e uma fotopintura da família de Wanderley de Araújo Pinho. Existem, ainda, coleções de têxteis, cerâmica, tecnologia rural e instrumentos de castigo.

    Dentre tudo que compõe o acervo, um lenço com o Brasão Imperial e o monograma de Dom Pedro II é a peça que mais chama a atenção da diretora de museus do Ipac.

    “Uma restauradora me mostrou o lenço que deve ter pertencido a Dom Pedro II. Na época, ela me disse nunca ter visto um item do tipo, nem mesmo no Museu Imperial”, relembra Santos.

    55 cômodos
    Junto com os objetos, o casarão de quatro andares e 55 cômodos, onde funcionava a Casa-Grande do engenho, ajuda a recontar a história da sociedade da época. O imóvel data da segunda metade do século XVIII, apesar de um pequeno engenho com moagem existir no local desde o século XVI. Uma das marcas daquela sociedade é a hierarquização e a estrutura patriarcal, o que fica evidente com a configuração do imóvel que dividia os espaços de trabalho e lazer.

    No andar inferior eram realizadas as atividades de trabalho com um local para os escravos, segundo o historiador Rafael Dantas. A administração de engenho era localizada um patamar acima e os andares nobres ocupavam os dois últimos pisos, com quartos da família e os salões.

    As casas eram ocupadas por famílias grandes, o que também é apontado pela mobília. Devido ao número de integrantes do círculo familiar, os moradores do engenho viviam em uma espécie comunidade ao redor de si mesma, explica Senna.

    “O convívio do dia a dia era uma festa por si só por agregar muitas pessoas. A vida social era mais religiosa e familiar. A cozinha possui muitos fornos para cozinhar para essa comunidade familiar extensa”, comenta o historiador e arquiteto. Ainda de acordo com ele, as senzalas também eram divididas entre os escravos da casa e da lavoura, que recebiam tratamentos diferentes.

    Apesar dos grandes salões, as famílias de elite só se visitavam em ocasiões especiais, como a festa do padroeiro ou o nascimento de uma criança. Senna relembra ainda que as mulheres iam pouco à rua e os senhores de engenho ficavam trabalhando.

    Decadência
    No passado, o Engenho da Freguesia foi um dos mais importantes do Recôncavo e pertenceu a famílias que moldaram os caminhos da região. “O abandono do prédio reflete a decadência de um passado escravista e açucareiro”, afirma Dantas. A última moagem de cana do engenho ocorreu em 1900.

    De acordo com Dantas, em 1624, o local foi atacado e incendiado pelos invasores holandeses. Depois de reerguido, o espaço passou a ser de posse de Antônio da Rocha Pita até ser comprado pelo Conde de Passé, no século XIX. A família Araújo Pinho foi a última proprietária do imóvel, que está sob responsabilidade do Ipac. Em 1944, o sítio foi tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), após um processo iniciado pelo historiador Wanderley de Araújo Pinho, que dá nome ao museu. O espaço está fechado há mais de 20 anos.

    O museu ainda pode ser acessado pelo mar, o que amplia ainda mais a experiência histórica já que o transporte marítimo era preponderante na região. Segundo o secretário de Turismo da Bahia, Fausto Franco, as obras do espaço estão 85% completas e uma outra licitação ainda será aberta para realizar uma intervenção na estrada que dá acesso ao local.

    “Tem uma parte da história da Bahia ali. Com esse museu, conseguimos entender a relação aristocrática e escravocrata na Bahia e na Baía de Todos-os-Santos. Tudo era feito por saveiros porque não existiam estradas”, afirma o secretário.

    A previsão é que a empresa ganhadora da licitação faça o restauro das peças em seis meses. De acordo com Santos, cerca de 70% das 133 peças que serão restauradas estão em bom estado ou em uma condição regular de preservação. Os itens de tecido e a foto pintura são os objetos que devem dar mais trabalho pela fragilidade e pelo impacto da ação do tempo.

    O restauro das peças é a segunda etapa das intervenções no local que são conduzidas pela Secretaria de Turismo do Estado da Bahia (Setur) e Ipac com recursos do Prodetur Nacional Bahia, através de financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O museu faz parte do conjunto de obras do Prodetur Nacional Bahia realizadas no entorno da Baía de Todos-os-Santos, que resultará na requalificação do turismo náutico e cultural da maior baía do Brasil.

    O projeto de urbanização e revitalização inclui toda a estrutura do antigo Engenho Freguesia, com a casa grande e a capela totalmente restauradas, além de guarita, vias internas de acesso, subestação de energia, estacionamento, paisagismo, fábrica e atracadouro.

    Licitação
    As empresas interessadas em fazer o restauro das peças do Museu do Recôncavo Wanderley Pinho devem participar da concorrência aberta por meio de licitação. Para adquirir o conjunto completo de documentos necessários para participar do certame, basta acessar o site do Prodetur Bahia ou fazer uma solicitação por escrito por meio do endereço de e-mail [email protected].

    Os documentos de licitação serão enviados gratuitamente por meio eletrônico. As propostas deverão ser entregues à Comissão Especial de Licitações (CEL) da Setur-BA, localizada na Avenida Tancredo Neves, nº 776, Bloco A, 5º Andar, Caminho das Árvores.

    As propostas serão abertas às 10h do dia 4 de maio, na presença dos representantes dos licitantes que desejem assistir. Caso a pandemia inviabilize a sessão presencial, será disponibilizado e enviado a todos os interessados o link para reunião virtual. Propostas encaminhadas com atraso serão rejeitadas.

    O edital segue os procedimentos de Licitação Pública Nacional (LPN) estabelecidos nas Políticas para a Aquisição de Bens e Contratação de Obras Financiadas pelo BID, edição GN 2349-9. Mais informações estão disponíveis no site do Prodetur Bahia, pelo e-mail [email protected] ou pelos telefones (71) 3116-4164/4158.