Bolsonaro já ganhou 7,5 mil presentes, incluindo livro de Suplicy e 83 Bíblias

No cercadinho do Palácio da Alvorada, um eleitor do presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que queria entregar um licor de jenipapo. Outra deu uma gravata e pediu para o chefe do Executivo usá-la se for reconduzido à Presidência em 2023.

Os itens se somam aos mais de 7.500 presentes que Bolsonaro recebeu desde que subiu a rampa do Planalto em janeiro de 2019.

A lista é variada, inclui de livro do vereador petista de São Paulo Eduardo Suplicy até uma camiseta de futebol da seleção dos Estados Unidos dada pelo ex-presidente Donald Trump.

A gravata da apoiadora se tornou uma das quase 70 recebidas pelo mandatário, segundo dados obtidos pela Folha por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).

O Planalto também guarda presentes oferecidos por chefes de Estado, como uma maquete do templo Taj Mahal, avaliada em R$ 60 mil, além de alimentos, gravuras e livros entregues por apoiadores.

Bolsonaro ganhou ainda uma estátua de madeira de 200 kg, que reproduz sua imagem e virou meme na internet, e pintura de 10 metros de largura, instalada na entrada do Palácio do Planalto, cujo título é o lema de campanha eleitoral de 2018: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

O site do Planalto apresenta alguns desses itens, com destaques aos agrados dados por aliados.
Bolsonaro ainda ganhou de Trump o uniforme do time de futebol D.C United, com o nome do brasileiro. Avaliada em R$ 771, a camisa foi entregue durante encontro na Casa Branca, em março de 2019.

Já o ex-premiê de Israel Benjamin Netanyahu deu um quadro com selos postais que mostram Bolsonaro e as bandeiras dos dois países.

Os dados divulgados via LAI são de itens recebidos por Bolsonaro até junho de 2021. Em média, o presidente recebeu mais de oito presentes por dia.

A lista mais ampla mostra que Bolsonaro ganhou o livro “Renda de Cidadania”, de Suplicy. Em dezembro de 2020, como mostrou a coluna Mônica Bergamo, o vereador petista mandou o livro sobre a importância de instituir uma renda básica universal ao presidente e ao ministro Paulo Guedes (Economia).

Bolsonaro ganhou ainda 263 camisas de times de futebol, 244 bonés, 90 medalhas e 68 gravatas.
O acervo do presidente também registra 1.659 livros, sendo 83 Bíblias –uma delas doada pela Polícia Militar de São Paulo–, cinco obras com versões pró-ditadura militar sobre o golpe de 1964 e duas edições de “Lula e a Ideologia de Marx”.

Não há livros de Olavo de Carvalho nos dados desse período. Tido como guru do bolsonarismo, o escritor se afastou do presidente durante o mandato, mas recentemente disse que votaria nele por falta de alternativas.

As primeiras obras que Bolsonaro recebeu foram duas edições de “O Brasil no Mundo”, do ex-presidente Michel Temer (MDB), catalogadas no dia 2 de janeiro de 2019 no acervo do Planalto.

O presidente também ganhou 498 presentes perecíveis, como alimentos, mas não há detalhes sobre quais são. Muitos são doados por apoiadores no cercadinho do Palácio da Alvorada. O licor de jenipapo entra nesta categoria.

Em 2020, Bolsonaro foi presenteado pela Embaixada de Israel com um colete à prova de balas. No ano seguinte, recebeu um projétil de um popular, segundo os dados entregues pelo governo.

O presidente também levou uma panela elétrica de um apoiador. De outro, um massageador para os pés.
Mesmo desestimulando medidas de combate à Covid-19, o presidente foi presenteado com 185 máscaras de proteção e um frasco de álcool em gel.

No dia 13 de dezembro, o presidente disse, no Planalto, “aqui é proibido máscara”. Segundo relatos de auxiliares, ele dá a ordem a quem entra em seu gabinete com o item.

Objetos recebidos de troca de presentes entre chefes de Estado e de governo são considerados patrimônio da União. Já bens consumíveis, como comida, não entram nesse rol.

“Ao fim da gestão, cabe à Presidência providenciar a mudança do ex-presidente e o envio do acervo. Neste caso, o ex-mandatário passa a ser o responsável pelo acervo e a ter a obrigação de preservá-lo”, afirma o site do Planalto.

Há presentes considerados de “natureza personalíssima”, doados por cidadãos, entidades ou empresas, além daqueles de consumo direto, como roupas, alimentos e perfumes, que também ficam com o presidente após o mandato.

A reportagem pediu acesso ao Palácio do Planalto ao acervo do atual mandatário, mas não obteve resposta.

A réplica de Bolsonaro, de madeira, foi entregue por um apoiador no dia 6 de setembro, no momento em que o presidente escalava o discurso golpista para os atos no Dia da Independência. A peça chegou a ser colocada no segundo andar do Planalto, mas foi retirada.

Já o painel com o slogan de campanha do presidente tem destaque na entrada do Planalto. Em um vídeo gravado ao lado do autor da pintura, Heinz von Haken Budweg, e publicado nas redes sociais, Bolsonaro diz: “Nós vamos deixar em um local aberto ao público, até para mostrar que isso, sim, é uma arte de verdade”.

“Isso é obra de arte, pessoal, tá ok?”, completou, junto ao artista alemão naturalizado brasileiro.
Nas paredes de sua sala no terceiro andar do Planalto, o chefe do Executivo também tem um quadro com uma foto de quando fez um gol na Vila Belmiro, em dezembro de 2020.

Pequenas estátuas de militares, uma menorá (castiçal judaico) e uma estátua de Nossa Senhora também estão entre os objetos expostos pelo presidente no gabinete. Há ainda um quadro do casamento dele e da primeira-dama, Michelle.

Em pedidos de LAI, o Planalto não apresenta dados sobre os acervos de ex-presidentes. Afirma que eles ficam responsáveis pelos presentes após os mandatos.

O acervo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) virou alvo de investigações da Operação Lava Jato, já arquivada. A acusação era de que a construtora OAS pagou R$ 1,3 milhão para manter os itens em um depósito em troca de vantagens.

A defesa do petista apontou, em 2016, que havia 369 mil cartas, 9.965 livros e 15.896 discursos armazenados em nove contêineres. Além de milhares de bonés, bandeiras e camisetas.

Os advogados de Lula dizem que a OAS fez uma doação como “apoio institucional”, para preservar um material de interesse público.

Outra parte do

acervo de Lula estava em um cofre no Banco do Brasil, que também foi alvo de buscas da Lava Jato. Em 2017, o TCU (Tribunal de Contas da União) reclassificou 434 presentes como patrimônio da União, que foram enviados para Brasília.

Em fevereiro de 2017, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) prestou depoimento ao ex-juiz Sérgio Moro, agora pré-candidato a presidente da República. O tucano falou como testemunha de defesa de Lula.

“Mesmo que tenha valor, vai vender para quem? Aliás, nem pode”, disse. “Tem de manter”, afirmou FHC sobre os acervos dos ex-presidentes.